Atacada nas redes sociais, Rita Camata diz que também é a favor de maior rigor na punição a menores infratores

Relatora do Estatuto da Criança e do Adolescente defende mudanças na lei, que completa 22 anos em julho

Por:Augusto Silva
Ela foi eleita deputada federal em 1986, 1990, 1994 e 1998; participou da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1988; é autora da Lei Camata, base para a Lei de
Responsabilidade Fiscal; e também autora do artigo da Constituição que garante licença maternidade de quatro meses para as mulheres brasileiras. Ao todo, conseguiu aprovar 63 projetos de lei, mas quando pensam no nome Rita Camata muitos brasileiros só se lembram do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do qual fora relatora. E de forma negativa.

Em meio às discussões sobre a necessidade de mudança no estatuto, Rita Camata admite: desde seu último mandato como deputada, já havia proposto a ampliação para seis anos do tempo de
internação para adolescentes que cometessem crimes contra a vida e o tráfico de drogas.

Ela admite necessidade de ajustes na legislação, com maior rigor para que comete crimes de maior gravidade.
Foto: Bernardo Coutinho - GZ
Bernardo Coutinho - GZ
Modificações: Rita Camata destaca que o ECA já foi alterado por 14 leis diferentes entre 1991 e 2012


. A senhora ficou com o estigma de “protetora de menores infratores”. Como vê essa visão da população?

Infelizmente, este estigma é restrito ao Espírito Santo. Mas creio que isto se deve a um  desconhecimento sobre meu trabalho, sobretudo o que produzi durante cinco mandatos como deputada federal e, mais ainda, devido a uma enorme desinformação sobre o Projeto de Lei da qual fui relatora em 1990, e que originou a Lei 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. A sociedade não é culpada pelo seu desconhecimento sobre a lei.

- O estatuto tem um amplo alcance.

É a lei que trouxe a todas as mulheres brasileiras o direito ao acompanhamento o pré-natal; o direito à vacinação gratuita às crianças; de lhes ser ofertada escola próximo de sua residência, sob pena de responsabilização do Estado se não garantir vagas; bem como regras claras para adoção e o combate à violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes. A lei protege todas as crianças e adolescentes brasileiros, com direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, sem qualquer distinção de classe social, cor ou religião. Tem mais de 260 artigos, e apenas 18 tratam sobre prática de ato infracional. E em nenhum deles há proteção a infratores, como equivocadamente alguns setores afirmam.

O Artigo 228 da Constituição estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, que estão sujeitos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja relatoria coube à senhora. Passados quase 22 anos, que avaliação a senhora faz da eficácia do estatuto?

o Brasil tem uma das menores idades de responsabilização criminal do mundo - 12 anos de idade
É importante reafirmar que o Artigo 228 foi votado durante Assembléia Constituinte, e aprovado por unanimidade. Em primeiro lugar, responde nos termos do Código Penal, não implica em conceder impunidade às pessoas com menos de 18 anos quando essas praticam qualquer tipo de crime. O artigo é claro em determinar que estas pessoas estarão sujeitas às normas de legislação especial, ou seja, responderão nos termos de uma Justiça Especializada. E é assim em praticamente todos os países do mundo, nós não inovamos em nada. Em todos estes países, há  responsabilização quanto a prática de crimes aos 12, 14, 16, anos. Nos EUA, por exemplo, para julgar uma criança como adulta é necessário haver autorização da Suprema Corte. Cabe também esclarecer que o Brasil tem uma das menores idades de responsabilização criminal do mundo - 12 anos de idade. Creio que há uma grande confusão sobre idade de inimputabilidade penal. O ECA dispõe sobre normas gerais para a infância e a adolescência, uma codificação ampla, que trata do universo específico vinculado a questões sociais e legais as mais diversas, não se resume a tratar de prática de atos infracionais por pessoas com menos de 18 anos de idade.

O que o Estado brasileiro tem feito para aplicar o estatuto?

A violência não pode ser justificada, não importa que idade tenha quem a pratique - 13, 15, 20 ou 40 anos
Por exemplo, só em 2012 a presidente da República sancionou o projeto que trata da regulamentação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o Sinase (Lei 12.594/2012), que trata de como as medidas socioeducativas devem ser implementadas. Onde está a responsabilidade do Estado em fazer cumprir a lei? O Brasil é a sétima economia mundial, estamos entre os 20 países mais desenvolvidos do planeta. E se hoje já se garante matrícula a todas as crianças no país é graças ao ECA, e está sendo feito. Por que não fazer cumprir a responsabilização de adolescentes infratores? A violência não pode ser justificada, não importa que idade tenha quem a pratique - 13, 15, 20 ou 40 anos. É inaceitável. E o responsável tem que ser julgado e responsabilizado devidamente.

Há quem defenda ampliação do tempo de internação para o adolescente infrator. Qual a sua proposta?
No meu último mandato, apresentei projeto de lei que aumentava o tempo de internação para adolescente que comete crime contra a vida e tráfico de entorpecentes, para seis anos. Passadas mais de duas décadas, os ajustes são necessários. Hoje, tenho clareza de que há necessidade de maior rigor na punição de quem comete crimes. Mas é preciso haver comprometimento do Estado brasileiro em todas as suas esferas - federal, estadual e municipal -, na prevenção, na educação,
no investimento em educação infantil, e o mais importante, no cumprimento da lei e não apenas no discurso. Hoje, 96% dos crimes que resultam em morte no Brasil são cometidos por adultos, mas divulgados 60 vezes menos do que os praticados por adolescentes. Isto é justificativa? Claro que não, mas é preciso dar a verdadeira dimensão dos fatos. Na última década, 80 mil adolescentes, pobres e negros, em sua maioria, foram assassinados no Brasil, enquanto só salvamos 24 mil crianças da mortalidade infantil. Creio que, em alguns casos, o tempo de internação pode ser alargado. Mas só encarcerar a pessoa não vai ressocializá-la.

Qual a sua avaliação sobre a forma como os governos têm cumprido o que o ECA prevê para ressocialização de adolescentes infratores?

Por vezes me pergunto se esses setores que usam o discurso de ?a culpa é da lei? não evitam o verdadeiro debate
Há experiências positivas no Brasil, em que gestores têm vontade política de fazer acontecer. É impressionante a redução dos índices de reincidência quando a lei é aplicada como se deve. Sem discursos, sem querer jogar a culpa na legislação para não assumir sua própria negligência ou simplesmente falta de compromisso para com a sociedade e a juventude. Por vezes me pergunto se esses setores que usam o discurso de "a culpa é da lei" não evitam o verdadeiro debate, que é reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro em garantir oportunidades e atendimento adequado à juventude, numa espécie de atestado de falência do sistema de proteção social brasileiro. Em sua maioria, adolescentes que se envolvem com atos ilícitos refletem uma realidade de exclusão, desigualdade e omissão do Estado e da família. Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) feito em 2012 mostra que 57% dos jovens privados de liberdade não frequentavam a escola antes da internação; cerca de 8% eram analfabetos; e 86% pararam de estudar em alguma série no ensino fundamental, indicando a grande defasagem escolar. E cerca de 80% já eram usuários de drogas. Quem pratica violência, independentemente da idade, deve responder por seus atos judicialmente. Mas só o encarceramento não trará resultados efetivos.

Mudanças no ECA podem provocar redução da violência no país?
Aumento no tempo de internação eu defendo em alguns casos, mas o discurso difundido de que a culpa da violência no país é da legislação, que adolescentes são os responsáveis pelo aumento da violência, é um engodo. E que endurecer as penas (para adultos, inclusive) é solução -, na verdade, é ilusão, um grande engano. Esse tipo de discurso só serve para tirar o foco do problema real. Pode ser que as pessoas não saibam, mas o ECA já foi alterado por 14 leis diferentes entre 1991 e 2012.

A senhora tem dois filhos. Como mãe e cidadã, como vê a segurança pública no Espírito Santo e no Brasil?

O problema da segurança pública em nosso país e no Estado não vem de hoje. Nos últimos dez anos, creio que é o principal desafio ao estado de direito na nossa sociedade, combinado com a questão da educação. Construir prédios não é investimento em educação, não adianta construí-los se a qualidade da educação está muito aquém do que é necessário. Existe um clamor da sociedade preocupada com aumento das taxas criminalidade. Mas creio que o problema da segurança não pode mais ficar restrito ao repertório tradicional do Direito e das instituições da Justiça, presídios e polícia. Os gestores devem fortalecer a capacidade do Estado, mas aumentando o contato das instituições públicas com a sociedade civil e com a produção acadêmica mais relevante na área.

Como a senhora vê a proteção da família no Brasil e o seu papel na educação dos filhos?
A família é pedra fundamental na formação dos filhos para o exercício da cidadania. Tanto é assim que a própria Constituição coloca sempre a família em primeiro lugar, antes da sociedade e do Estado, quando trata da infância e juventude. Claro que a instrução, a educação formal escolar é importante. A escola é imprescindível na socialização da criança, mas a função da família não dá para substituir. Se algo não vai bem em casa, quando a estrutura familiar não possibilita harmonia, quando os pais não se interessam pelo que os filhos fazem ou deixam de fazer, o reflexo disso aparecerá cedo ou tarde.

Em que é possível avançar e qual é a sua proposta nessa área?
Amar incondicionalmente, mas amar com responsabilidade. Dar limites é uma forma de amor. Não tenho dúvida de que o velho ditado de que saber dizer "não" em casa evitará que os filhos recebam muitos "nãos" pela vida é válido. E mais: evitará que eles, por não terem o limite do "não", queiram usar de qualquer forma de ação para passar por cima da lei, do contrato social, do respeito ao próximo.

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